Eslavismo em Tolstoi 7
Depois de atravessar a pequena sala de jantar, com as suas paredes de madeira escura, Stiepan Arcádievitch e Liêvin entraram numa saleta tenuamente alumiada por um candeeiro de quebra-luz escuro. Outro candeeiro na parede iluminava um retrato de mulher, em corpo inteiro, de opulentos ombros, cabelos negros ondulados, sorriso pensativo e olhar perturbante, em que Liêvin pousou involuntariamente os olhos. Era o retrato de Ana pintado na Itália por Mikháilov. Enquanto Oblonski se dirigia para outro lado do biombo, onde a voz de homem que ali ressoava deixara de se ouvir, Liêvin examinou o retrato, que avultada, na sua moldura, sob a chapa de luz. Não podia apartar dele a vista. Esqueceu, até mesmo, onde estava e, sem prestar a menor atenção ao que se dizia, quedou-se de olhos fascinados. Não era um quadro. Era uma mulher viva e encantadora que o fitava com uns olhos de uma suave e fascin adora expressão. Só não estava viva, por ser mais bela do que a mais bela mulher real.
-- Tenho muito prazer -- disse, de súbito, uma voz junto aos ouvidos de Liêvin.
Essa voz a ele se dirigia, naturalmente; e era a voz da mulher cujo retrato contemplava. Ana vinha ao seu encontro e Liêvin pôde ver, na meia luz do escritório, a mulher do retrato, com um vestido escuro de tons azuis um pouco diferente. Embora a sua atitude e a sua expressão fossem outras, a beleza era do mesmo gênero da representada pelo pintor. Com efeito, era menos deslumbrante, mas, em compensação, havia nela algo novo e de atraente que o quadro não tinha.
[...]
-- Sim, vi os quadros de Vástchenkov, mas não me agradaram muito -- disse Liêvin, voltando ao assunto inicial.
A conversaderivou para as novas escolas de pintura. Ana falava com inteligência, mas cheia de naturalidade, sem pretensão alguma, apagando-se, para que os outros brilhassem, tão bem, que Liêvin, em vez de se sentir torturado, como lvê acontecerã o dia inteiro, achou agradável não só falar, mas ouvir outrem. A propósitodas ilustrações que um pintor francês acabava de fazer para a Bíblia, Votkúiev increpou o realismo exagerado desse artista. Liêvin, porém, objetou que esse realismo consistia numa reação salutar, visto o convencionalismo em arte teratingido na França proporções incomparáveis.
-- Não mais mentir tornou-se para os franceses como uma forma de poesia -- disse ele, e sentiu-se feliz ao ver que Ana o aprovava, rindo. Nunca uma idéia inteligente dera tanta satisfação a Liêvin.
-- Rio-me -- explicou Ana -- como nos rimos diante de um retrato muito fiel. O que acaba de dizer caracteriza maravilhosa a arte francesa atual, não só a pintura, mas até mesmo a literatura: Zola, Daudet, por exemplo... Naturalmente acontece sempre a mesma coisa: principia-se por se criar tipos convencionais e, uma vez todas as combinações' feitas, regressa-se ao natural.
Páginas ??? á ???
[...]
Meia hora depois, o preceptor eslavo, ao encontrá-lo, teve dificuldade em saber se ele estava aborrecido ou se chorava.
-- Naturalmente deste alguma queda e magoaste-te -- disse-lhe. -- Bem dizia eu que esta brincadeira é perigosa. Temos de dizer ao diretor.
-- Se tivesse magoado, ninguém teria dado por isso. Pode estar certo!
-- Então que te acontece?
-- Deixe-me !... Que lhe importa que eu me lembre ou não me lembre? É por que me havia eu de lembrar?... Deixe-me em paz! -- repetiu, gritando, não para o preceptor, mas para o mundo inteiro.
Página ???
Livro Ana Karenina de Tolstoi . [Obra do ano de 1877 ]
Por Welton Báthory
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