Eslavismo em Tolstoi 8

 

 [...] discussões provocadas pelo problema eslavo -- eram bruscamente substituídas pelo problema dos Balcãs, que por muito tempo permanecera latente, embora ele de há muito pertencesse ao número dos seus animadores russos.
  No círculo a que pertencia Sérgio Ivánovitch não se discutia outra coisa nem se escrevia sobre mais nada que não fosse a guerra sérvia. Tudo o que a sociedade ociosa costuma fazer habitualmente para matar o tempo era consagrado nessa altura aos "irmãos eslavos". Os bailes, os concertos, os jantares, os discursos, as modas, as cervejarias e os cafés; tudo servia para proclamar adesão a eles.
  Sérgio Ivánovich não estava de acordo em muitos pormenores com o que se escrevia e comentava a respeito desta questão. Verificava que o problema eslavo se converterá num desses temas da moda, que mudando de vez em quando, servem de distração à sociedade; e via, igualmente, que muitos se ocupavam do caso com fins interessados e por vaidade. Reconhecia que jornais publicaram muita coisa desnecessária, apenas para chamarem a atenção e poderem gritar mais alto uns que outros. Notava mesmo que, perante aquele momento geral de entusiasmo, os que mais gritavam eram os falhados e os ressentidos: os generais sem exército, os ministros sem ministério, jornalistas sem jornal e os chefes de partido sem adeptos. Observava que em tudo aquilo havia muita frivolidade e ridículo, conquanto não deixasse de reconhecer o crescente entusiasmo em que comungavam todas as classes sociais e com que era forçoso simpatizar. Sofrimentos e heroísmo de sérvios e montenegrinos, seus irmãos de raça e religião, haviam despertado o desejo unânime de lhes prestar socorro, não apenas de proferir discursos. Semelhantes manifestações da opinião pública satisfaziam por completo Sérgio Ivánovich. Finalmente, dizia, acabou por se mostrar em plena luz o sentimento nacional. E quanto mais observava esse movimento tanto mais lhe descobria proporções  grandiosas, um verdadeiro marco na história da Rússia. Assim esquecera o livro e as decepções que tivera com ele para consagrar-se de corpo e alma a essa grande obra. A tal ponto se deixara absorver por ela, que só em julho pode permitir-se quinze dias de ferias. Precisava de descansar e ao mesmo tempo queria assistir, em plena aldeia, aos primeiros sinais desse despertar nacional em que todas as grandes cidades do Império acredita tal firmemente. Katavássov aproveitara a ocasião para cumprir a promessa que fizera a Liêvin de o visitar um dia.
 
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 -- Umas duas semanas. Tenho muito que fazer em Moscou. Ao dizer estas palavras, os olhos dos dois irmãos encontraram-se. Apesar do constante desejo, naquele momento particularmente intenso, de manter relações amistosas com o irmão, e sobretudo simples, Liêvin sentiu que lhe desagrada a olha-lo. Baixou os olhos sem saber o que dizer. Procurando temas de conversa agradáveis aos irmãos e que os afastassem dos assuntos bélicos da Sérvia e da questão eslava, coisas a que ele aludir a ao referir-se às suas ocupações de Moscou, Liêvin principiou a falar do livro de Sérgio Ivánovich.
  -- Que tal? Tem aparecido críticas ao teu livro?     
  -- perguntou-lhe. Sérgio Ivánovich sorriu perante a premeditada pergunta.
  -- Ninguém falou dele, e eu menos do que ninguém -- disse . -- Olhe, Dária  Alieksandrovna, vai chover -- acrescentou, apontando, com o guarda-chuva, umas nuvens braças que se acastelavam por cima da copa dos álamos.
  Aquelas palavras foram suficientes para que se restabelecesse de novo entre os dois irmãos aquele Trato não precisamente hostil, mas frio, que Liêvin tanto desejava evitar.
  -- Ainda bem que teve a boa ideia de aparecer por qui! -- disse Liêvin a Katavássov.
  -- Há muito que me dispunha a fazer-lo. Agora poderemos discutir. Leu Spencer?
  -- Não, não acabei -- replicou Liêvin. -- E, por outro lado, já não preciso de ler.

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-- Tu não fórmulas a questão como deve ser -- disse ele, franzindo o sobrolho. --  Não  se trata, neste caso, de uma declaração de guerra, mas de uma demonstração de simpatia humana, cristã. Estão assassinando os nossos irmãos, irmãos de raça e religião, estão massageando mulheres, velhos e crianças. Isso provoca a indignação do sentimento de humanidade do povo russo, que corre em auxílio desses desgraçados. Supõe que vês na rua um bêbado a espancar uma mulher e uma criança. Começaras tu, porventura, antes de correres em auxílio deles, por te informarem se  declararam guerra aquele indivíduo?
  -- Não, mas também não o mataria a ele.
  -- Claro que o matarias.
  -- Não sei. Talvez o matasse arrastado pelas circunstâncias de momento, mas o que eu nunca faria era entusiasmar-me com a defesa dos eslavos.
  -- Não somos todos da mesma opinião -- replicou Sérgio Ivánovich, pouco satisfeito. -- O povo não esquece fácilmente os irmãos ortodoxos que sofrem sob o jugo dos infiéis. E foi o povo quem fez ouvir a sua voz.
  -- Talvez -- disse Liêvin, evasivamente. -- Mas eu não vejo as coisas assim. Também eu pertenço ao povo e não sinto da mesma maneira.
  -- É o que acontece comigo -- interveio o príncipe. -- Durante a minha estada no estrangeiro, li os jornais que me revelaram, antes dos horrores da Bulgária, o amor súbito que se apoderou, ao que parece, da Rússia inteira pelos seus irmãos eslavos, e a verdade é que eu não sentia nem sinto nada por eles. Apoquentava-me muito essa idéia e supunha-me um monstro, ou que quando aqui cheguei fiquei tranqüilo, pois pude verificar que não pelos seus irmãos eslavos. Por exemplo, o Constantino.

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 Hábil dialeta, Sérgio Ivánovich, sem responder, conduzil a conversa para outro terreno. -- É evidente que não dispondo do sufrágio universal (o qual, aliás, nada prova) não nos será possível conhecer, aritméticamente, a opinião do país; mas existem outros meios de apreciação. Não me refiro a essas correntes subterrâneas que agitam as águas até aí estagnadas do oceano popular, claras para qualquer homem sem prevenção. Considero a sociedade no sentido estrito da palavra. Os partidos mais diversos do mundo intelectual, tão hostis uns aos outros anteriormente, fundiram-se num só. As discórdias acabaram, todos os jornais são da mesma opinião. Todos compreenderam a força tirânica que os eslavos e os arrasta na mesma direção.
  -- É o que os jornais dizem sempre -- objetou o príncipe. -- Realmente ! Parecem rãs antes de uma tempestade ! Os gritos deles é que não deixam ouvir nada.
  -- Não sei se são rãs ou não são; não público jornais nem me proponho defende-Los. Falo por unanimidade de opinião nos meios esclarecidos -- disse Sérgio Ivánovich, dirigindo-se ao irmão.
   [...]
   -- É o que acontece com a unanimidade de opiniões nos jornais. Ouvi dizer que em tempo de guerra vendem o dobro dos exemplares. É muito natural que ponham acima de tudo o instinto nacional, os irmãos eslavos e o que  mais lhes vier à cabeça!
  -- Não sou muito afeiçoado aos jornais, mas parece- me injusto, meu príncipe -- disse Sérgio Ivánovich.
  Alphonse Karr dava alvo quando, antes da guerra franco-prussiana, propunha aos partidários da guerra que fossem a primeira linha e que fossem eles quem superasse os primeiros tiros.
  -- Que linda figura haviam de fazer os nossos jornalistas ! -- exclamou Katavássov, soltando uma grande gargalhada, ao visionar alguns redatores seus conhecidos nessa legião seleta.

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 Livro Ana Karenina de Tolstoi  1877
 

[Continua em breve! ]

[Continuacão e Final e uma indagação]

Eis por que não podia preconizar a guerra, por mais generoso que fosse o seu objetivo. Era da opinião de Mikháilitch, o que expressava o sentir de todo o povo, e representava muitíssimo bem a tradição relativa ao apelo aos Varegues: "Renai e governai; prometemo- os alegremente uma obediência completa. Tomamos para nós os penosos trabalhos e os pesados sacrifícios, mas a vós compete julgar e decidi". Seria possível acreditar, de acordo com o que dizia Sérgio Ivánovich, que o povo tivesse renunciado a um direito comprado por tão elevado preço ?
  Teria gostado de dizer, demais, que, se a opinião pública é juiz infalível, por que não seriam a revolução e a comuna tão legítimaa como o movimento em prol dos eslavos? A verdade, porém, é que eram pensamentos que não diziam nada. Só uma coisa era evidente: que naquele momento a discussão irritava Sérgio Ivánoviche que por isso mesmo não séria bom discutir. Liêvin não falou mais; limitou-se a chamar a atenção dos seus hóspedes para as nuvens, dizendo-lhes que lhe parecia mais prudente voltarem para casa.

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Apesar do plano de Sérgio Ivánovich -- Que Liêvin não acabara de ouvir -- a respeito da importância que teria para a Rússia a emancipação de 40 milhões de eslavos, início de uma nova era na história, coisa que muito interessada Liêvin, e se lhe afiguravá algo de completamente novo, não obstante a curiosidade e a preparação que lhe causará o fato de o terem chamado, logo que se viu, só, assim que saiu do salão, lembrou-se das idéias que tivera essa manhã. E ato contínuo todas essas considerações acerca da importância do elemento eslavo na história universal lhe pareceram tão insignificantes em comparação com o que se lhe passava na alma, que tudo esqueceu, abandonando-se ao estado do Espírito anterior.

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Por [ @ semente da desintegração ]

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